O ano era 2017 e eu estava naquela fase de jovem podre que todo mundo que cresce na região metropolitana de São Paulo está fadado a ter. Andava com uma galera muito drug's and fuck! and love coroters em lugares inóspitos! Como de costume, meus colegas tinham me chamado para sair e eu, por não ser da capital, perguntei onde iríamos porque o ser humano que ainda jaz dentro de mim me impedia de gostar de virar a noite no meio da rua, sem ter como voltar pra casa de forma segura. Os meus "amigos" me convenceram de que a gente ia se encontrar na Consolação e decidir a partir de lá. Vocês já devem imaginar o que está por vir.
Chego no metrô, cumprimento o pessoal e ingenuamente, pergunto de novo: pra onde vamos?
"Ah, vamos virar na Augusta?"
"Virar na Augusta"
O que eu fiz: Respirei fundo e fui com a galera comprar a seleção de venenos e outros ingeríveis. Conforme a noite passou, as pessoas que insistiram em virar a noite foram ficando cansadas e indo pra casa de Uber. Uma das meninas que tava junto morava no Capão Redondo e tinha combinado de ir embora com o amigo dela que também era de lá, mas simplesmente pediu um Uber e foi-se enquanto o pessoal comprava coxinha naquele Ragazzo da Augusta. Só deu pra ver a mãozinha dela balançando "tchau" por meio segundo antes da porta fechar.
Sobraram três fodidos: este que lhes escreve, o que mora no Capão Redondo que eu vou me referir como Soneca a partir de agora, e o outro que realmente tava afim de virar, que eu vou me referir como Zé Bonitinho.
O problema é que a bebedeira da noite já estava vindo cobrar os rapazes e antes das duas da manhã o Soneca já estava completamente derrubado, nos colocando na situação de cuidar de bêbado desmaiado na calçada enquanto os pedestres passam, disparando olhares de lamento e desprezo. Um doidão chegou a parar e ficar por meia hora insistindo e tentando convencer a gente a deixar o cara com ele, que ele ia levar ele pra casa, que não precisava se preocupar. Típica situação deplorável e perigosa das noites de São Paulo. As horas foram passando e o Soneca não melhorava nunca, não dava um sinal de que iria levantar e ir pra casa com suas próprias pernas. Ficou claro que teríamos que tomar uma providência. Então, carregamos ele até uma padaria ali perto do Itaú Cultural e tentamos dar um pingado pro cara. Um açúcar. Qualquer coisa pro cara acordar. O mano tava todo se babando, mole mesmo, não conseguia nem segurar o copo pra dar uma bicadinha.
Não tinha jeito. O Zé Bonitinho tomou o café todo babado do bêbado e, depois de muito esforço pra conseguir que ele falasse o endereço de forma inteligível, chamamos um Uber e rezamos para que o motorista não o sequestrasse. No dia seguinte tivemos confirmação de que Soneca estava vivo e seguro.
Feito isso, vimos que não faltava muito pro metrô abrir e decidimos subir em direção à Paulista pra esperar na frente da estação, fumando uns cigarros.
Pois bem. Estávamos lá, manguaçados, eu só pensando em ir pra casa e muito puto por ter caído na pegadinha da virada e ter cuidado do cara a noite inteira. Chega um morador de rua. Suas vestimentas e pertences: chinelo, bermuda e camiseta. Na mão esquerda, um balde (vazio) pendurado e um boné.
"Opa, me dá um cigarro?"
Dei um cigarro. Ofereci o isqueiro, na expectativa de que ele fosse acender, agradecer e seguir seu caminho. Eu devo ter muita cara de trouxa mesmo porque o cara ficou o que pareceu uns 15 minutos, sem brincadeira, tentando jogar o cigarro pra cima e pegar com a boca antes de acender. Depois de infinitas tentativas, ele finalmente conseguiu fazer o truque e estendeu a mão pra me cumprimentar. Apertei a mão dele, e ele pergunta: Como você chama?
"Felipe."
"Legal Felipe. Seguinte, isso aqui é um assalto, passa tudo.
Tentou me assaltar.
COM UM BALDE.
Indignado, eu olhei pro lado pra ver se o Zé Bonitinho estava tipo, vendo o que estava desenrolando naquele lindo amanhecer Paulista. O que aconteceu a seguir irá te fazer pular da cadeira!
Enquanto eu entretia as tentativas falhas do morador de rua de pegar o cigarro no ar, o INFELIZ do Zé Bonitinho colocou os fones de ouvidos, virou as costas e ficou mexendo no celular a uns, juro por Deus, 10 passos de distância. Me deixou ali à mercê do mundo. Me deixou na mão de um possível bandido pra me esfaquear, me furtar, me agredir! Voltando:
–Legal Felipe. Seguinte, isso aqui é um assalto, passa tudo.
–Cara, eu não vou te dar nada.
–Tô falando sério porra, passa tudo!
–Eu não vou te dar nada.
O pobre homem pausou, e hesitante, disse:
"... Tem nem cinco reais pra eu comprar uma pinga?"
"Não vou te dar nada, mano."